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Bloomfield Road já assistiu a melhores dias. Quem diria que, ali, em 1957, um Barcelona acabado de esmagar o campeão europeu Real Madrid...

Bloomfield Road já assistiu a melhores dias. Quem diria que, ali, em 1957, um Barcelona acabado de esmagar o campeão europeu Real Madrid por 6-1 empataria a três perante uma formação de segundo plano do Blackpool Football Club? Outros tempos. 38 mil a assistir nas bancadas recém remodeladas no East Paddock e na West Stand. Hoje? Hoje o Blackpool recebe o Wycombe Wanderers perante pouco mais de setecentas pessoas para o infame Ckeckatrade Trophy. Ali, em Bloomfield Road, quando o Rock & Roll dava os seus primeiros passos e entrava sem cerimónia pelas casas do Reino, jogava a nata do futebol. Eram tempos de ouro para os Tangerines. Os anos 50. Como os recordam. Os melhores dos melhores jogaram ali. Melhor. Os melhores dos melhores, jogavam pelo Blackpool Football Club. 

Stan Mortensen. Jimmy Armfield. Matthews. Sir. Stanley. Matthews. Bloomfield Road já viu melhores dias. Oh... se já! Como aquele, em 1958, quando o Hearts de um tal Dave Mackay, campeão escocês e ainda longe de atemorizar defensores por Inglaterra, visitou Blackpool para inaugurar o sistema de luzes do estádio dos Seasiders. Um ano apenas depois de Old Trafford ou Anfield. Blackpool, Bloomfield Road em particular, eram um dos epicentros dos anos dourados do futebol. Blackpool era especial. Vinham de todo o país. Para ver Matthews. Para ver, principalmente, as luzes de Blackpool. Milhas e milhas de iluminação. Milhares e milhares de lâmpadas. Vinham os Beatles, como tantos outros, nos anos 60. Até os White Stripes, já no mundo a cores. Blackpool era especial e por lá jogava-se do melhor futebol no país. Nos anos 50 raramente os Tangerines não estavam pelo topo. Por lá surgiram em 1937 e de lá saíram, apenas, em 1968. Com maior ou menor sucesso, mais perto ou mais longe do título - ameaçam-no seriamente em 1956 -, durante três décadas (período interrompido somente pela Guerra) o Blackpool Football Club foi clube de primeira. Melhor? Em 1948, 1951 e 1953 são finalistas da Taça de Inglaterra. Ganham-na em 1953, por fim. Third time lucky. À terceira foi de vez. Na tarde em que deuses e homens jogaram juntos. Na tarde em que Stan Mortensen foi imortal na sombra de Deus.
Stanley Harding Mortensen. 

De operador da força aérea na segunda Guerra - onde quase morre quando o seu bombardeiro se despenha (o piloto morreu) -, a um dos melhores avançados do futebol inglês pós-guerra. Mortensen nasce em South Shields neto de um marinheiro norueguês que se estabelece no North-East inglês e cedo se mostra como um pré-dotado para a arte do futebol. Tanto, que a sua fama chega à outra ponta do país, em Blackpool, onde se torna lenda (há uma estátua de Mortensen à porta de Bloomfield Road) e onde durante dez temporadas consecutivas é o melhor marcador dos Tangerines. Rápido, ágil e técnico, Mortensen alcança uma média de quase um golo por jogo pela selecção de Inglaterra entre 1947 e 1953, incluindo um poker contra Portugal em 1947 num jogo que Inglaterra vence por 10-0. O último? O jogo do século. Aquele em que a Hungria vai a Wembley vencer por 3-6, jogo em que Mortensen faz também o seu último golo pela selecção dos Três Leões. 1953.

1953. Com as feridas da grande guerra ainda abertas - terminara somente oito anos antes -, toda a nação revia no futebol um escape à austeridade que ainda assombrava Inglaterra. Estes eram tempos de racionamento, mais do que tempos de exuberância. Mas Inglaterra estava para mudar. A três semanas da coroação, Isabel II seria uma espectadora atenta no alto dos degraus de Wembley - nas bancadas estaria o futuro capitão do Blackpool e de Inglaterra: Jimmy Armfield. Inglaterra preparara a coroação com a compra em massa de novos televisores e a aposta da BBC na transmissão da final, pela qual pagou £1000, revelou-se um sucesso. Os cerca de dez milhões de espectadores que assistiram ao directo é, ainda hoje, uma marca que ultrapassa muitas das recentes edições da prova. A televisão havia, por fim, massificado a sua presença nos lares britânicos e a final da Taça de 1953 (a primeira transmitida em directo) define-se como o primeiro grande evento desportivo da história do país.

Pela terceira vez em seis anos, Stanley Matthews e o seu Blackpool FC estavam em Wembley. Depois de perder as finais de 1948 e 1951, aos 38 anos - mas mais jovial e fitter que os seus adversários -, esta surgia como a mais que provável última oportunidade para que a primeira super-estrela do jogo alcançasse uma glória que parecia querer fugir-lhe. De Bolton vinha o adversário. O Bolton de Nat Lofthouse - que marcara em todas as rondas da competição - que, sensato, sabia ao que ia. Exceptuando as gentes de Bolton, todo o país estava com Matthews. Naquela tarde, o Blackpool Football Club era o clube mais popular do país e havia uma barreira psicológica que urgia ser destruída. E, por momentos, por pouco menos de uma hora de jogo, os Trotters pareciam consegui-lo.

Dois minutos bastaram. Com 75 segundos de jogo decorridos, já Lofthouse, o "Leão de Viena", colocava o Bolton Wanderers na frente. Se havia marcado em todas as rondas até então, como haveria de não marcara na final? George Farm, num erro pouco habitual, oferecia a vantagem aos Trotters. A resposta dos Tangerines surge já com a primeira metade bem avançada. Surge já a dez minutos do intervalo. Stan Mortensen, com a ajuda de um desvio num defensor adversário, empata a um. Era o início da sua imortalização. Um golo que, hoje, muito provavelmente, nem lhe seria atribuído. Pouco importa. O tempo para festejar não foi muito, ainda assim. Quatro minutos depois, Willie Moir, capitão dos Trotters e único escocês - e não inglês - do onze de Bolton recoloca os inimigos da nação na frente. A barreira psicológica estava ultrapassada pelos Trotters mas não pelo Blackpool. Num misto de pressão adversária e psicológica, Matthews acusava a ocasião. 

Ao intervalo, ainda assim, Joe Smith, histórico treinador do Blackpool, era prático: "Dêem a bola a Stanley [Matthews, não Mortensen], ele vencerá o jogo por vocês". Joe Smith. Quis a ironia do destino que Smith liderasse o Blackpool FC numa final contra o clube pelo qual fora um icónico jogador. Pelos Trotters, Smith faz 254 golos em 499 presenças. Um avançado goleador que encontra também lugar na selecção de Inglaterra. Pelos três leões contou cinco internacionalizações e um golo. Orienta o Blackpool FC durante todo o período de Ouro do clube seasider, orienta os Tangerines em 714 jogos de Liga tornando-os numa das forças maiores do futebol inglês e apenas deixa Bloomfield Road, aos 68 anos, por questões de saúde. A palestra, contudo, não surte efeito imediato e dez minutos após o recomeço da lendária final, Eric Bell, que até jogava lesionado desde o final da primeira parte (as substituições só passam a ser permitidas em 1965), faz o terceiro dos Trotters. Quem gravava a Taça já preparava os intrumentos: Bolton Wanderers era a inscrição. Numa ironia maliciosa, Matthews parecia destinado a nunca vencer a glória maior do futebol. Parecia. Haviam cutucado Deus e era altura de sentir a sua ira. 

O Bolton Wanderers conserva a liderança de dois golos durante treze minutos e, finalmente, a lenda toma forma. Stanley Matthews cruza da direita, encontra Stan Mortensen, e o Blackpool estava de volta à disputa. Deuses e homens. Mortensen imortalizava-se na sombra de Deus. 68 minutos de jogo. 22 para o seu final. Os Tangerines levam o jogo para cima dos Trotters mas só perto do final encontram caminho para a glória. Uma final da Taça nunca alcançaria este nível. Era o clímax total. O orgasmo futebolístico supremo. Aos 89', de livre directo, Stan Mortensen consuma o hat-trick e empata o jogo. Mortensen imortalizava-se para sempre. Ainda hoje, aquele golo, define um facto histórico: nunca outro jogador alcançaria um hat-trick numa final da Taça em Wembley. Mas esta era a final das finais. Não ficaria por ali. Com segundos para jogar, Matthews volta a agarrar o jogo pelo pescoço, abana-o em fúria divina e, da direita, volta a encontrar o caminho para o paraíso. Mortensen fica perto do quarto mas é Bill Perry quem culmina o épico total. 4-3. Matthews virara o jogo. Conseguia a sua medalha. O Blackpool vencia a Taça à terceira tentativa. Até Lofthouse aplaudiu.

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Bill Perry pode ter oferecido a vitória ao Blackpool; Mortensen pode ter feito um hat-trick, mas foi Stanley Matthews quem sai em ombros do relvado de Wembley. Wembley voltava a definir o futebol e os seus heróis. Na tarde que homens e Deuses jogaram juntos e se defrontaram, Mortensen imortalizou-se. Matthews? Matthews era Deus. Mortensen imortalizava-se na sombra de Deus. A final de 1953, a final de todas as finais, só poderia ter um nome: A Final de Matthews. O marcador do único hat-trick de uma final da Taça de Inglaterra? Para sempre na escuridão. Afinal, Mortensen, era apenas Homem.




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