Pasadena, 1994
No futebol, tal como na vida, existem momentos marcantes. Um golo maradoniano. Uma defesa à lá Gordon Banks. Um tackle made in Bobby Moore, ou um remate ao jeito de van Basten. Uma vitória saborosa ou uma derrota ao cair do pano. Situações de justiça poética e de injustiças difíceis de aceitar. Depois existe Baggio.
Il Divin Codino. O grande protagonista do futebol italiano dos anos 90. Um futebolista sublime, dono de um contacto com a bola ao nível dos predestinados. Leve. Suave. Como quem procura criar intimidade com alguém. Tratava-a com carinho. Ela, satisfeita, retribuía-lhe a atenção, desviando-se dos defensores adversários e dos guardiões contrários. Beijava a rede de sorriso rasgado depois de tocada por Baggio. Era evidente toda a aura de sensualidade criada entre ambos. Ela adorava. Ele também. Até aquela fatídica tarde em Pasadena.
Aí, por breves instantes, quebraram laços. Zangaram-se. Seguiram caminhos diferentes. Ela, rumo à bancada, e ele…oh ele! Ele, que até era o melhor jogador do Mundo na altura, seguiu rumo a um abismo temporário do qual só alguém com grande carácter e personalidade forte consegue sair. Perdoou. Ao mesmo tempo assumiu o arrependimento por ter quebrado o pacto de leveza com a bola. Ela voltou para os seus braços e juntos tornaram-se eternos. O título de Campeão do Mundo de 1994 esse, rumou ao Brasil.
Mas Baggio foi apenas um dos três
jogadores a falhar a sua grande penalidade naquela decisão dramática do Rose
Bowl, debaixo do sol tórrido da Califórnia. Aliás, só Demetrio Albertini e
Alberigo Evani foram capazes de bater Taffarel da marca dos onze metros. Franco
Baresi, esse grande líder do Milan de Sacchi e Capello, errou o alvo. O outro
elemento desinspirado foi Massaro.
Monza. Florença. Milão.
San Massaro. Provvidenza.
Era carinhosamente apelidado desta forma pelos tiffosi milanistas. Daniele Emilio de registo. Nasceu em Monza e
por lá iniciou a aventura, mas ao contrário do que seria de esperar, o fascínio
desportivo levou-o ao futebol, e não ao automobilismo. Esse, só no final da
carreira. Não foi o melhor avançado que o futebol italiano produziu. Nem podia.
Massaro nem sequer o era. Começou como médio defensivo. Consta que até tinha
talento para o transporte da mesma. Que o diga a Fiorentina, que em 1981 o
juntou aos consagrados Bertoni e Antognoni (sim, esse mesmo) no centro do
terreno Viola.
Um ponto apenas. Um polémico
ponto apenas. Foi esta a diferença no topo da tabela no final das trinta
jornadas da Serie A no primeiro ano de Massaro em Florença. Com vantagem para
Juventus de Zoff. De Scirea. De Cabrini. Do ironicamente duríssimo Gentile. De
Tardeli. E de um fenómeno odiado na costa este da América do Sul, e que
regressou na recta final da prova de um exílio motivado por um escândalo de
apostas, de seu nome Paolo Rossi. Orientados por uma raposa. Astuta. Hábil.
Observadora. Inteligente e vencedora. Giovanni Trapattoni. No fundo, a base do
título mundial italiano de 1982. E aqui chegamos a um momento curioso. Daqueles
que tornam a carreira de Daniele Massaro peculiar. Provvidenza esteve em Espanha. Fez parte da convocatória, apesar de
não ter saltado do banco. Não seria nada de extraordinário, se o jogador não
tivesse que esperar doze anos para voltar a estar presente numa grande
competição internacional com a sua selecção. Até ao Mundial dos Estados Unidos.
Até aquela tarde em Pasadena.
Pelo meio, uma carreira recheada.
Apesar de tudo, em Florença não foi capaz de chegar ao topo do futebol
italiano. Aliás, poucos o fizeram. Batistuta, Vierchwood, Passarella, Dunga, Effenberg,
Rui Costa, Galli e Sócrates bem tentaram, mas tal como Massaro, foram obrigados
a mudar de ares para conseguir obter recompensas sob a forma de títulos. A meio
da década de 80 ruma a Milão para fazer parte de um conjunto lendário. Massaro
não sabia, mas ao viajar para o Norte de Itália estava a caminho da
imortalidade.
Na
capital da moda italiana ganhou um lugar na história. Durante oito anos
defendeu as cores da formação mais dominadora do futebol europeu da altura, com
um interregno de uma temporada, para vestir a camisola da AS Roma. Versátil,
foi adaptado a uma das alas por Arrigo Sacchi, que procurou explorar a sua
velocidade, apesar de por vezes demonstrar demasiada desconfiança em relação às
capacidades do jogador italiano. E foi após a sua saída que Massaro explodiu
definitivamente. Capello assumiu o lugar e apostava regularmente no voluntarioso
craque de Monza. Como extremo ou na frente de ataque. A concorrência porém,
sempre foi forte. De Marco van Basten ao Bola de Ouro Jean Pierre Papin,
passando por Gullit, Simone, Raducioiu, Brian Laudrup, ou pelo genial Dejan
Savicevic, Massaro teve sempre que batalhar mais do que os outros para
conseguir oportunidades. Mas correspondia. Partia do banco para resolver
partidas nos últimos minutos e parecia sempre talhado para sobressair nos jogos
importantes. Os adeptos adoravam. Capello idem. E foi num desses confrontos
importantes que Massaro garantiu um lugar na eternidade.
Atenas, 1994
Estávamos em Atenas em Maio de
1994 quando o confronto de estilos futebolísticos mais ansiado da época teve
lugar. O prémio? O máximo. A Orelhona. O troféu criado por Hanot na década de
50’ e que escapara aos milaneses na temporada anterior, em Munique, frente ao
Marselha. A Taça dos Campeões Europeus, já no seu formato moderno. Milan vs
Barcelona. Capello vs Cruyff. Invincibili vs Dream Team.
Os
catalães eram favoritos. As ausências de Baresi e Costacurta, esteios
defensivos do conjunto italiano, suspensos, e de van Basten e Lentini,
lesionados, pareciam condenar os milaneses a um papel submisso no relvado do
Spyros Louis. O futebol contudo, foi, é, e será sempre imprevisível. As
escolhas de Cruyff foram decisivas para o desenrolar da final. Ficará para
sempre a dúvida em relação ao desfecho da partida se o técnico holandês tivesse
alinhado com o brilhante Michael Laudrup. Com demasiado espaço e sem um portento técnico e de
inteligência para vigiar, Marcel Desailly dominou como quis a zona central do
terreno. E na frente? Na frente estava Daniel Massaro. Ali, no Olímpico de
Atenas, bisou e deu inicio ao xeque-mate definitivo do Dream Team. Ambos de pé
esquerdo, que nem era o seu pé de eleição, mas que demonstra novamente a sua
versatilidade enquanto futebolista. O primeiro aos ’22, após uma jogada de Il Genio Savicevic na direita. Depois,
um remate cruzado. A melhor sequência a uma penetração de Donadoni na esquerda,
já em cima do apito para o intervalo. Os adeptos esperavam uma reacção catalã,
mas Savicevic, com um
dos melhores golos de sempre em finais da prova, fez um chapéu perfeito com a
parte interior do seu fabuloso pé esquerdo e bateu um Zubizarreta desesperado
perante a passividade de Miguel Ángel Nadal no lance. Faltava o golo de
Desailly, uma espécie de vingança, daquelas frias, geladas, qual banho numa
qualquer praia nortenha. Um golo de raiva, depois das declarações infelizes de
Cruyff no pré-jogo e que coroou uma exibição sublime do (na altura) médio
francês, que assim bisou nas conquistas, já que fazia parte do Marselha
vencedor da temporada anterior.
Pela quinta vez, a Europa do futebol pertencia ao AC Milan. Massaro esse, recebeu a medalha com a camisola do seu ídolo Stoichkov vestida. Oito anos, quatro Ligas nacionais, duas continentais e duas intercontinentais depois, atingia o pico da carreira. Os Estados Unidos esperavam-no. Mas o título máximo do futebol de selecções escapou-se por entre os dedos e ficou retido nas mãos de Taffarel. Ali, debaixo do sol tórrido da Califórnia, naquela fatídica tarde em Pasadena, o título de Campeão do Mundo de 1994, rumou ao Brasil.
Pela quinta vez, a Europa do futebol pertencia ao AC Milan. Massaro esse, recebeu a medalha com a camisola do seu ídolo Stoichkov vestida. Oito anos, quatro Ligas nacionais, duas continentais e duas intercontinentais depois, atingia o pico da carreira. Os Estados Unidos esperavam-no. Mas o título máximo do futebol de selecções escapou-se por entre os dedos e ficou retido nas mãos de Taffarel. Ali, debaixo do sol tórrido da Califórnia, naquela fatídica tarde em Pasadena, o título de Campeão do Mundo de 1994, rumou ao Brasil.
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